Surfar o Mundo para a Paz...
O mar estava como já não se via há dias largos. Vento de nortada, ondas de metro e meio, a entrarem ordenadas a sul do molhe. Coisa rara para surfista do litoral português, os picos quebravam tanto para a esquerda como para a direita. Naquela tarde de sábado devia ter alguma coisa de especial e, arriscando ir parar às rochas, algumas ondas havia que partiam para a esquerda levando quem nelas quisesse correr.Aquele pico tinha perto de vinte pranchas vigilantes, cada surfista aguardando por uma onda que desse para caminhar sobre as águas. A remada lá para trás exige esforço. A espera pela onda certa, exige paciência e sabedoria para perceber quando ela chega. A tarde estava quente, e ver o mundo da perspectiva de quem está sentado na prancha, com as mãos a salpicar a água enquanto se espera a onda com o nosso nome é uma coisa que nos enche o espírito. De quando em quando, vinha uma boa e com muita avidez dentro de água, eram vários os que nadavam para ela.Como na estrada, a tribo de surfistas tem códigos, regras de prioridade e cortesia, para evitar choques ou incidentes dentro de água.Mesmo assim, eles acontecem e as reacções são as mais variadas. No sábado aconteceu um. Dois apanharam uma onda. Um deles era a primeira da tarde e já estava na água há bastante tempo. Um ia fazer a onda para a esquerda e estava do lado direito. Outro ia fazer a onda para a direita e estava do lado esquerdo. Ambos nadaram para a onda ao mesmo tempo, ambos estavam à mesma distância dela. Não se viram um ao outro. Muitos choques da vida acontecem assim. As pessoas não se vêem umas às outras...Em fracções de segundo ergueram-se, droparam (desceram) a onda, viram-se e agora o choque era inevitável. Mergulho para um lado, pranchas para o outro. Segundos depois voltam à superfície e procuram recolher a prancha para que ela não bata em ninguém. Verificam se o desconhecido estava bem e pedem desculpa um ao outro.Acontece.Se fosse noutras praias era porrada certa ainda dentro de água, com direito a continuação na areia.Ali a atitude fez toda a diferença: ver se o outro está bem, pedir desculpa, lamentando e relativizando o conflito de interesses existido e segue-se em frente. Oxalá o mundo fosse mais assim.Ontem terminou mais uma reunião do G8. Bom seria se os líderes lá reunidos encontrassem o equilíbrio entre os seus interesses, a sua onda e dessem atenção à dos outros. A influência geo-política do mundo altera-se dia para dia: a Ásia está em força, o mundo árabe começa a mostrar que sabe de surf. A África precisa deixar-se e que a deixem em paz para aprender com serenidade a onda da democracia!Quando os líderes souberem surfar, pensando também nos outros, vamos descobrir que há mar para todos, seja na água, seja na vida, seja no Desenvolvimento! Aí, nesse tempo de sol, a humanidade inaugurará uma nova etapa da civilização e a paz será universal.
Aveiro, Junho de 2008
Aveiro, Junho de 2008
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