Ke11y Slater... e o meu sobrinho de dois anos







Não ligo muito, confesso, aos campeonatos. Foi até recentemente que fiquei a perceber como funcionam os hits, o tempo deles, como se dá a pontuação, os critérios para isso.. essas coisas.

Diz-me muito o free surf, pouco a competição. Diz-me muito a mística, a história do surf, o estilo de vida que ele imprime, a comparação de parábola que o surf é da vida, a comunhão que se sente, que se vive, o frio, o calor, o êxtase, a alegria de criança que se sente quando acontece o tal milagre de caminhar sobre as águas... pronto.. deslizar.

Lembro-me do Kelly Slater quando começou a dar cartas. Era rapaz novo, participou numa série americana que já nem me lembro o nome, passou por várias gerações de surf e várias formas de pontuar o surf... passou pelos tubos, pelos aéreos brutais, pelas outras técnicas, sejam elas quais forem... passou pela geração de força dos australianos, dos brasileiros, e de outros, de outros sítios...

Não impôs o seu estilo aos adversários, não os venceu submetendo-os e trazendo-os ao seu campo, ao seu terreno.
Não... venceu os do tempo dos aéreos, com aéreos, venceu os do tempo dos tubos, com tubos, e por aí fora... Venceu os adversários a fazer aquilo em que os seus adversários eram mais fortes...

Também isto é uma parábola da vida...


Mas o que mais admiro nele não é o surf brutal, não é a idade, a postura, não é claro o que a população [feminina] admira nele...

é mesmo o riso.

Cada vez que vejo o tipo a surfar e a câmara consegue aproximar o rosto,  nalgum close up, o senhor está-se a rir, a sorrir... está feliz.

Vi isso no meu sobrinho de dois anos e dois meses, nas primeiras sessões dele de "skurf"... aquelas pranchas de skate compridas, que parecem pranchas de surf pequeninas e com rodas... 
Comecei a ensinar o rapazolas a andar naquilo. Primeiro, sentado, depois devagar já de pé, depois pernas afastadas, depois joelhos fletidos, depois olhar em frente, braços em equilíbro... 


Depois empurrar a prancha, a segurá-lo. A seguir já não a empurrar a prancha, mas a segurá-lo e puxá-lo pelas duas mãos... e o estádio em que estamos agora, dar-lhe só uma mão, a de trás.. e puxá-lo.


Já é ele que empurra a prancha com os pés, transfere com a dinâmica do corpo a energia que lhe dou na pequenina mão dele, e olha em frente, de joelhos fletidos, de olhos muito abertos e riso largo, sonoro, quando a velocidade começa a ser alguma... aquela sensação de descoberta, de medo, de adrenalina... aquela sensação de êxtase, de felicidade pura, digna e tão, tão humana... feliz.

É isso que vejo no Slater. Está sempre com aquele riso de míudo a brincar quando sai de alguma onda. Aquela sensação de deslumbramento perante a vida, perante a surfada que acabou de dar...

É isso que importa afinal na vida... vivê-la assim, como se fosse a primeira onda em que nos pusémos de pé...


É isso que mais admiro no 11 vezes campeão de um campeonato que corre o mundo todo.


Ah... e o meu sobrinho, pelo menos na prancha... é goofie*, como eu!










* esquerdino









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